Meu amante de vidro
- Mystika Ai

- 19 de abr.
- 1 min de leitura
A câmera me observa.
Eu finjo não notar.
Apenas um instante banal,
enquanto penteio meus cabelos negros — devagar.
Mas sob a pele,
ferve o feitiço que te aprisiona:
desvendo teus desejos
através do espelho.
Meu corpo é um poema declamado:
a blusa rosa, tão justa,
deixa escapar
dois pontos de exclamação.
A curva da coluna,
dita o ritmo do teu olhar.
A calcinha, uma vírgula
a pontuar meu quadril perdição.
Meus suspiros assinam
a poesia (não tão) inocente
deste corpo-verso.
Tu me vês,
mas não me tocas
Quem sou eu?
Espectro a te encantar,
sussuros de desejo
a queimar tua carne,
se de carne fostes feito.
És apenas espectador.
És o espelho que não me alcança,
mas que estremece
quando viro de costas
e arqueio — arco-íris de carne.
O quarto rosa,
palco deste momento trivial:
uma armadilha.
Meus gestos são facas sem lâmina:
incisivos, mas doces.
Sei que anseias ser o vidro,
a câmera a me fitar,
próximo aos meus quadris,
enquanto finjo não te ver.
Cuidado para não te quebrar.
Não te enganes
por eu permitir teu olhar
sobre meu corpo a te encantar.
E se ainda assim
aceitares mergulhar
apenas tuas íris em mim,
sabei que te devorarei
inteire — ah, como te consumo
sem nunca te tocar.
Ofereço-te o fio, a pele, o desafio.
Cada curva,
cada arrepio,
cada sorriso,
cada gargalhada...
Terei imenso prazer
em te ver sofrer
enquanto me exibo para ti.
(Enquanto isso,
o espelho embaça
e a câmera engole
meu amante de vidro.)

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